Carlos Baigorri

Superintendente Executivo – ANATEL
É essencial que as regras sejam revistas para garantir a lógica dos “mesmos serviços, mesmas regras”

Quais são as prioridades do Brasil no futuro em relação ao setor de telecomunicações? Para Onde está dirigida a política regulatória do setor e quais são os objetivos da Anatel?

As prioridades e objetivos da atuação da Anatel estão estabelecidos em seu Plano Estratégico 2015-2024. Segundo esse Plano, os objetivos estratégicos da Anatel são:

  • Promover a ampliação do acesso e o uso dos serviços, com qualidade e preços adequados;
  • Estimular a competição e a sustentabilidade do setor de telecomunicações;
  • Promover a satisfação dos consumidores; e
  • Promover a disseminação de dados e informações setoriais.

O documento completo está disponível em : http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=327138&pub=original&filtro=1&documentoPath=327138.pdf

Conjugando os quatro objetivos estratégicos da Anatel fica clara a visão no sentido de criar um ambiente de ampla concorrência. Ou seja, a Anatel acredita que é por meio da competição que conseguiremos criar um ambiente de inovação, serviços de qualidade e preços adequados à realidade brasileira.

Para os dois próximos anos, a Anatel fixou em seu plano tático importantes iniciativas, dentre as quais se destacam aquelas voltadas para aprimorar a sustentabilidade do setor, disponibilizar e otimizar faixas de espectro para a nova onda tecnológica habilitadora de soluções modernas (5G e IoT) , implementar um modelo de controle de obrigações, incluindo de qualidade, mais responsivo e reavaliar a regulamentação de proteção dos usuários.

Antes do ballotage do 28 de Outubro, a ASIET enviou uma carta aos pré-candidatos, na qual destacou a importância estratégica das TIC para o desenvolvimento econômico e social do país e instou a dar prioridade à Agenda Digital nos próximos 4 anos, para isso é necessário ter infra-estrutura de classe mundial e conectar os desconectados. Como você vê o que é solicitado? Que tipo de decisões regulatórias devem ser tomadas para aumentar os investimentos no setor?

Sem dúvida nenhuma as TICs tem um papel fundamental no crescimento e desenvolvimento econômico, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil.

As TICs são uma indústria transversal, que serve de suporte para todos os outros setores da economia e serão um importante vetor de ampliação da competitividade do país. É por meio das TICs que poderemos aumentar a produtividade do setor agrícola no Brasil. É por meio das TICS que conseguiremos desenvolver a indústria 4.0 no nosso país. Ainda, as TICs são essenciais no mercado financeiro, na saúde, no transporte e principalmente na educação.

Evidentemente, para que isso aconteça é necessário que sejam feitos investimentos vultosos nas redes brasileiras. Esse investimento virá, sem dúvida nenhuma, da iniciativa privada.

Para que os agentes privados invistam é necessário ter um ambiente econômico, legal e regulatório que gere confiança, que afaste incertezas e crie previsibilidade para que os investimentos aconteçam. Precisamos estabelecer um arcabouço regulatório moderno e crie condições para o investimento.

Nesse sentido, o papel da Anatel é garantir esse ambiente virtuoso no âmbito regulatório. Reduzir a carga regulatória do setor, criando regras mais razoáveis e mais adequadas ao atual ecossistema digital é essencial.

Assim, a Anatel deverá nos próximos meses rever completamente o modelo de gestão da qualidade, onde são estabelecidos os níveis mínimos de qualidade dos serviços regulados pela Anatel.

Outra mudança recente e de grande relevância foi a aprovação do Plano Geral de Metas da Competição (PGMC) onde foram revistas diversas obrigações de compartilhamento de redes pelos grupos detentores de Poder de Mercado Significativo (PMS).

Ainda, é essencial que a Anatel continue seu processo de destinação de espectro de radiofrequências para os serviços de telecomunicações. Hoje o Brasil é um dos países da América Latina que mais tem espectro destinado para o mercado. Precisamos avançar mais e liberar as faixas de 2.3GHz e 3.5GHz.

Enfim, a Anatel precisa olhar para trás e rever os regulamentos vigentes, ao mesmo tempo em que olha para o futuro, de forma a garantir que sua regulamentação esteja alinhada com os novos desafios do ecossistema digital.

O crescimento econômico esperado para os próximos 15 anos seria 45% menor do que nos 15 anos anteriores, de acordo com um estudo realizado pela consultoria McKinsey Global Institute.Vocês têm tomado precauções para que a incorporação das TIC nos processos de produção no Brasil seja levada adiante e, assim, fortalecer o crescimento?

Sim, em março de 2018 foi instituído pelo Governo Brasileiro o Sistema Nacional para a Transformação Digital (Decreto nº 9.319/18), onde foi estabelecida a estrutura de governança da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital).

A E-Digital foi estruturada de forma a ser um roadmap para a transformação digital no Brasil, não só dos setores produtivos, mas também dos próprios Governos.

O documento completo com a E-Digital está em http://www.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/estrategiadigital.pdf

Certamente temo no Brasil muito a evoluir no uso das TICs pelos setores produtivos, entretanto, o caminho a ser percorrido e os desafios a serem superados já estão definidos e mapeados pelo Governo. O grande desafio posto agora é justamente na execução desse Plano.

Continuando com a carta que a Associação enviou aos candidatos, fala da necessária atualização da legislação setorial e da modernização regulatória para viabilizar o objetivo do salto para o desenvolvimento digital do país. Solicita também a aprovação final do PLC 79/16, pois, ao diminuir o ônus das obrigações atualmente detidas pelas concessionárias, permitiria mais investimentos no setor; e a aplicação urgente da Lei Geral de Antenas (Lei 13.116 / 15). Nesse sentido, em que estágio estão os projetos mencionados (Lei do PLC e Antena)? Existe algum outro projeto que contemple a aquisição de investimentos e o desenvolvimento de infra-estrutura de telecomunicações no Brasil?

O PLC 79/2016 certamente é o projeto de Lei mais importante para a atualização do marco regulatório das telecomunicações. Com sua aprovação o Brasil colocará a banda larga no centro de suas políticas públicas, e não mais o telefone fixo.

Há grandes expectativas de que o PLC 79/2016 seja apreciado e aprovado pelo Senado Federal ainda 2018, de tal forma que a Anatel terá que ao longo de 2019 elaborar toda a regulamentação para aplicar a nova Lei.

A Lei Geral das Antenas também foi um grande avanço do setor, mas infelizmente essa Lei não tem sido respeitada pelos governos municipais. Essa lei vem atender a uma demanda histórica das telecomunicações no sentido de dar um ordenamento mínimo ao compartilhamento de infraestrutura e ao licenciamento municipal para instalação de antenas.  Agora, creio ser papel da Anatel atuar de forma proativa e buscar as prefeituras municipais para afastar as preocupações existentes e para difundir melhores práticas nesse tema. A Anatel precisa ser atuante nessa conscientização. Precisa ir a campo, difundir os avanços que a lei trouxe e faze-la ser cumprida.

Existem outras medidas necessárias para atrair mais investimentos para o setor. O Brasil precisa rever suas políticas públicas de telecomunicações. A última política pública para o setor foi o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) instituído em 2010 (decreto nº 7.175/2010). Ou seja, há mais de 8 anos que o Brasil não revê sua política pública de telecomunicações. É necessário atualizar suas políticas públicas de forma a deixar claro para os agentes econômicos quais são os objetivos do Governo para esse setor e que medidas serão executadas para alcançar esses objetivos.

Outra questão relevante que precisa ser endereçada é o uso dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL).

O FUST já arrecadou mais de 20 bilhões desde sua criação. É fundamental que os recursos do FUST sejam utilizados para levar banda larga fixa e móvel para o interior do Brasil, para as áreas rurais, para todos os cidadãos.

Diversas são a iniciativas legislativas para endereçar essa questão. A Anatel inclusive encaminhou uma minuta bastante interessante ao MCTIC.

Temos que encontrar uma solução para o FUST, e entendo que a Anatel não pode ficar só esperando que o congresso resolva. A Anatel prrecisa apresentar caminhos, apresentar projetos para uso do FUST. Precisamos avançar urgentemente nesse ponto!

Já o FISTEL arrecadou mais de 90 bilhões desde sua criação. Hoje o principal componente do FISTEL são as taxas de fiscalização cobradas em relação aos aparelhos móveis. Essa taxa é um valor fixo, independentemente do perfil do consumidor.

Também há Congresso Nacional diversas iniciativas sobre o FISTEL. Temos que encontrar uma solução para a regressividade do FISTEL. Hoje um consumidor de baixa renda, que usa um celular pré-pago, paga o mesmo FISTEL que um consumidor de altíssima renda.

O problema do FISTEL não é só sua regressividade. O valor fixo da taxa de fiscalização inviabiliza modelos de negócio focados em consumidores e dispositivos que geram pouca receita.

Se essa questão do FISTEL não for endereçada com urgência o Brasil estará inviabilizando o desenvolvimento da internet das coisas (IOT) no país. A cobrança de valor fixo das taxas de fiscalização podem jogar o país nas últimas posições da corrida do IOT e do 5G.

Ainda, o Brasil precisa publicar urgentemente seu Plano Nacional de IoT, que foi construído ao longo de 2017 e 2018. Esse Plano deve trazer as principais medidas para incentivar essa nova indústria no Brasil.

Em relação ao já mencionado, há alguns dias, surgiu na mídia que Londres criou um imposto para grandes empresas de tecnologia como Facebook, Amazon, Google, O que você acha dessa medida como um facilitador para levar adiante uma redução da carga tributária para o setor e, assim, incentivar a inovação e o investimento? Você acha que a lógica do «mesmos serviços mesmas obrigações» devem ser aplicadas?

O setor de telecomunicações é um setor regulado pelo Estado historicamente em razão de falhas de mercado que geravam um elevado poder de mercado detido pelas empresas de telecomunicações. É em razão dessas falhas de mercado que os governos criaram agências reguladoras e impuseram regulamentos e impostos sobre as empresas do setor. O papel das agências reguladoras era o de promover a competição, reduzir as barreiras à entrada e estar constantemente garantindo que não houvesse abuso de poder econômico por essas empresas.

Entretanto, o desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, especialmente com a prestação de serviços similares por meio da internet, no que veio a ser chamado de serviços over-the-top (OTT) está fazendo com que as agências reguladoras de todo o mundo tenham que rever seu posicionamento junto ao mercado.

Não é papel do Estado definir quem são os ganhadores e perdedores em um mercado. A vitória comercial deve ser resultado da produtividade, da eficiência e da inovação. Não deve ser influenciada pelas ações do Estado, ou seja, não deve ser influenciada pela regulação.

Quando o Estado, por meio de agências reguladoras, cria regras diferentes para agentes que estão disputando o mesmo mercado relevante de tal forma que essas regras são determinantes na definição de que agente irá conquistar mais mercado, temos então um problema. Se isso acontece, então o Estado está, por meio da sua regulação, definindo quem ganha e quem perde.

Ou seja, com o avento da tecnologia e a prestação de serviços por operadores OTT, torna-se fundamental que o Estado reveja sua regulamentação, de forma a criar um ambiente de concorrência justa, de forma a criar um ambiente em que os ganhadores não sejam definidos pelo Estado.

Assim, é essencial que as regras sejam revistas para garantir a lógica dos “mesmos serviços, mesmas regras”.

Apesar disso, temos que tomar cuidado para não levar para o ambiente da internet as mesmas regras dos serviços tradicionais. Ou seja, se temos que criar um ambiente com mesmas regras, devemos então considerar a realidade do mercado e de suas falhas. Ora, se o desenvolvimento tecnológico está acabando com as falhas de mercado que justificavam a regulação do setor de telecomunicações, então deve ser reduzida a intervenção estatal.

Não considero que a melhor estratégia regulatória seja de regular e cobrar impostos dos agentes que atuam na camada de aplicações (OTT), mas sim o de desregulamentar o setor de telecomunicações.

Acho que o mais importante nessa discussão é entender que o Estado só tem legitimidade para intervir no mercado privado com o objetivo de mitigar os efeitos de falhas de mercado. Se as falhas de mercado estão desaparecendo ou deixarem de existir, não haverá mais justificativa para a intervenção do Estado.

Ou seja, entendo que a lógica do “mesmos serviços, mesmas regras” deve ser alcançado com uma redução da carga regulatória sobre o setor de telecomunicações e não com um aumento da regulação sobre os OTT.

Quando falamos de impostos é impossível imaginar que as operadoras tradicionais terão o mesmo tratamento que as empresas OTT. Nesse contexto, entendo que a imposição de tributos sobre os OTT pode criar um espaço fiscal para a redução da carga tributária do setor de telecomunicações. No caso dos tributos a lógica do “mesmos serviços, mesmas regras” deve ser alcançado com algum imposto sobre os OTT e a redução da carga tributária sobre as telecomunicações.

A ASIET trabalha para o desenvolvimento das telecomunicações e da Sociedade da Informação em nossa região, incentivando o diálogo público-privado, promovendo o crescimento da indústria e favorecendo o intercâmbio de conhecimento e boas práticas. Nos últimos 6 anos, temos realizado o Congresso Latino-Americano de Telecomunicações, que está apenas tentando reunir os atores do setor e estabelecer esses diálogos público-privados. O que você acha deste tipo de espaços de troca multissetorial?

Eu tive o grande prazer de participar da CLT 2018 em Varadero, Cuba. Posso dizer que foi um grande evento, onde tivemos espaço para discutir as políticas regulatórias com diversos representantes de outras administrações, além de representantes da indústria e da academia.

Esse tipo de espaço é fundamental para garantir uma maior qualidade regulatória por parte das Agências, uma vez que conseguimos compartilhar com outros países nossas dificuldades e nossos aprendizados.

Além dessa troca de experiências com outras administrações, o CLT permite contatos diretos e produtivos com representantes das empresas, tanto prestadores de serviços quanto fabricantes de equipamentos. Por meio desse espaço conseguimos entender melhor os anseios e desejos das empresas que atuam na América Latina.

Ainda, o CLT traz uma oportunidade única de conhecer os trabalhos sendo desenvolvidos pela academia em temas de telecomunicações. São raros os espaços acadêmicos dedicados exclusivamente a esses temas. O CLT tem esse diferencial ao trazer os maiores estudiosos da região em temas de telecomunicações.